Tudo que não invento é falso" - M. de Barros, de "Livro sobre Nada"
Muitos consideramos Manoel de Barros o maior poeta vivo do Brasil. O carinho pela linguagem, a ampla criatividade como correspondência ao simples, a liberdade obediente à palavra, são inúmeros os afluentes desta correnteza poética, que leva quem nela mergulha numa viagem por infâncias sem fim. Infância não como época sócio-biológica, mas sim - não poderia deixar de o ser quando poesia está em questão - como o que a própria palavra diz: aquele lugar originário em que não falamos, apenas escutamos. A leitura de Manoel de Barros é feita com os ouvidos.
Há que o chame de "Guimarães Rosa da poesia". Este tipo de comparação, por si, apesar de superficial, não é de todo injustificado. Porque a "prosa" de Rosa nada tem de prosaica no mau sentido de "ordinária". É, como toda boa prosa, poética, mas não por se construir retoricamente com recursos formais numa espécie de narrativa em versos. É poética porque faz sempre a exigência de uma leitura poética, criativa. Mas criativa não quer dizer que o sentido fica a cargo da receptividade estética de um sujeito criador. Leitura criativa na medida em que é concreta, em que "concresce" entre leitor e texto: isto é o que chamo de "obra", este acontecimento entre leitor e texto, entre autor e texto, que é mundo e também história. É esta a dimensão poética de Manoel de Barros, também.
"Os poetas são sempre poetas da terra. Amam tanto a Linguagem que se identificaam com terra, sentido-lhe as vibrações pulsarem nas veias de suas poesias. Continuamente estão superando a dicotomia e alienação de homem e terra. (...) Para criar, não carecem de muito nem têm necessidade de grandeza ou de grandes quantidades. Numa haste de relva silvestre descobrem o infinito da Linguagem, que logo os transporta para a Terra-do-Sem-Fim, a paisagem do pensamento e da criação" - Emmanuel Carneiro Leão.
"Em torno fazia um pássaro
que seu canto finge com águas...
Você se beiradeava.
Eu me escorei o rosto nos silêncios."
(Manoel de Barros - de "Compêndio para uso dos pássaros")
que seu canto finge com águas...
Você se beiradeava.
Eu me escorei o rosto nos silêncios."
(Manoel de Barros - de "Compêndio para uso dos pássaros")
A poética de Manoel de Barros é prosaica. Só que no bom sentido, daquilo que remete ao simples sem ser simplista, daquilo que não é pretensioso. Portanto, daquilo que diz sem "querer dizer" demais. Não é tampouco formalismo sem sentido, o batido invencionismo das vanguardas da retaguarda. Portanto, a poesia de Manoel de Barros apenas diz. E este apenas não é pouco, porque lá a palavra, que "apenas" diz, se sustenta tão-somente em ser palavra. Não precisa ser "termo", "metáfora", "conceito", "signo", "sema" e demais entidades abstratas epistêmico-estéticas, por mais concretas que se autoproclamem. Manuel de Barros devolve à palavra o orgulho de ser palavra. Não por ser ele um gênio, mas por estar mesmo na simplicidade do seu próprio dizer, tão simples que é capaz de escutar a palavra, com o trato mundificante de uma criança, de quem está na "terceira infância", como diz o poeta. A palavra como palavra: não há outra tarefa para a poesia.
"Do que não sei o nome eu guardo as semelhanças.
Não assento aparelhos para escuta
E nem levanto ventos com alavanca.
(Minha boca me derrama?)
Desculpem-me a falta de ignorãças.
Não uso de brasonar.
Meu ser se abre como um lábio para moscas.
Não tenho competências para morrer.
O alheamento do luar na água é maior do que o meu.
O céu tem mais inseto do que eu?"
(M. de Barros - de "O Livro das Ignorãças")
Não assento aparelhos para escuta
E nem levanto ventos com alavanca.
(Minha boca me derrama?)
Desculpem-me a falta de ignorãças.
Não uso de brasonar.
Meu ser se abre como um lábio para moscas.
Não tenho competências para morrer.
O alheamento do luar na água é maior do que o meu.
O céu tem mais inseto do que eu?"
(M. de Barros - de "O Livro das Ignorãças")
Abaixo, uma das raras entrevistas concedidas pelo poeta, em quatro partes.
"Escrevo em idioleto manoelês archaico (1) (Idioleto é o dialeto que os idiotas usam para falar com as paredes e com as moscas). Preciso de atrapalhar as significâncias. O despropósito é mais saudável do que solene. (Para limpar das palavras alguma solenidade - uso bosta.) Sou muito higiênico. E pois. O que ponho de cerebral nos meus escritos é apenas uma vigilância par não cair na tentação de me achar menos tolo que os outros. Sou bem conceituado para parvo. Disso forneço certidão.
(1) Falar em archaico: aprecio uma desviação ortográfica para o archaico. Estâmago para estômago. Celeusma para celeuma. Seja este um gosto que vem de detrás. Das minhas memórias fósseis. Ouvir estâmago produz uma ressonância atávica dentro de mim. Coisa que sonha de retravés."
- Manoel de Barros, de "Livro sobre Nada"
(1) Falar em archaico: aprecio uma desviação ortográfica para o archaico. Estâmago para estômago. Celeusma para celeuma. Seja este um gosto que vem de detrás. Das minhas memórias fósseis. Ouvir estâmago produz uma ressonância atávica dentro de mim. Coisa que sonha de retravés."
- Manoel de Barros, de "Livro sobre Nada"
"Quis pegar
entre meus dedos
a Manhã.
Peguei vento."
- M. de Barros, de "Compêndio para uso dos Pássaros"
"(Manoel) - De fato, você chega no fim e você não sabe nada, porque não sabe o sentido da vida. Você não sabe nada. Você sabe discutir coisas aqui, mas o sentido da vida, essa incompletude que agente tem - nós somos incompletos, sentimos incompletude - só pode ser completada com "o mistério".
-Esse pedaço que é incompleto você só pode completar com "o mistério". É "o obscuro".
- É a coisa mais real.
(entrevistador) - O mistério tem uma consistência de pedra para você, não é?
(Manoel) - Tem."
-Esse pedaço que é incompleto você só pode completar com "o mistério". É "o obscuro".
- É a coisa mais real.
(entrevistador) - O mistério tem uma consistência de pedra para você, não é?
(Manoel) - Tem."
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