A Ilíada XXIII, 244, fala de áidi keúthomai, de ser abrigado no Hades. Aqui a própria terra e o âmbito subterrâneo entram em relação com o abrigar e encobrir. O contexto essencial entre a morte e o encobrimento aparece aqui. A morte não é, para os gregos, como tampouco o nascimento, um processo "biológico". Nascimento e morte recebem sua essência a partir do âmbito do desencobrimento e encobrimento. Também a terra tem sua essência a partir do mesmo âmbito. Ela é o "entre", isto é, entre o ocultamento do subterrâneo e a luminosidade, o descobrimento do supraterreno (da abóboda celeste, ouranós). Para os romanos, no entanto, a terra, tellus, terra, é o seco, a terra em diferença do mar; essa distinção diferencia sobre que construção, colonização e instalação são possíveis, em distinção daqueles lugares onde elas são impossíveis. Terra se torna territorium, o âmbito de colonização como âmbito de comando. Na terra romana está presente o acento imperial, do que a gaîa e gê gregas nada têm.
As palavras gregas krýptein e krýptesthai (de onde crypta e cripta) significam a ação de encobrir resguardando. Krýptein se aplica, antes de tudo, à nýx, à noite. Similarmente, dia e noite em geral manifestam os eventos do descobrimento e do encobrimento. Uma vez que, entre os gregos, tudo o que é irrompe a partir do seu fundo, surge da essência do encobrimento e do desencobrimento, eles, por isso, falam da nýx e do ouranós, da noite e da luz do dia, sempre que querem expressar o começo do todo que é. O que é dito desse modo é o que primordialmente pode ser dito. É a fala autêntica, a palavra primordial. mýthos é a palavra grega que expressa o que pode ser dito antes de tudo o mais. A essência do próprio mýthos é determinada com base na alétheia. mýthos é o que revela, descobre e deixa ser visto; especificamente, ele deixa aparecer o que se mostra a si mesmo, previamente e em todas as coisas, como o que está presente em toda "presença" [Anwesen]. Somente onde a essência [Wesen] da palavra está fundada na alétheia, portanto entre os gregos, somente onde a palavra, assim fundada, como fala preeminente sustenta toda a poesia e pensamento, portanto entre os gregos, e somente onde poesia e pensamento são o fundo da relação primordial com o encoberto, portanto entre os gregos, somente lá encontramos o que dá significado ao nome grego mýthos, o "mito".
HEIDEGGER, Martin. Parmênides. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: EdUSF, 2008. pp. 92-3.
domingo, 7 de dezembro de 2008
Excertos pensantes: encobrimento, terra e mito
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Um comentário:
Realmente Heidegger é o melhor pensador para descrever o fluxo!! Nenhum outro pensador fala tão bem , ou melhor pensa tão bem...Sua escrita me parece possuir inumeras vozes ( analogia com a música). Aprendemos a pensar dialogando com a história da filosofia.
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