segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
MITO E HISTÓRIA
O acesso à experiência mítica através do método historiográfico encontra como obstáculo justamente o suporte que garante a acesso ao investigador, a escrita que preserva a manifestação, mas não preserva o vigor da presença, que o pensamento historiográfico não consegue fazer viger justamente porque não é passível de representação num discurso racionalmente estruturado. Enquanto a filosofia defende para si a hegemonia da elaboração do conceito, e a teologia quer afirmar a verdade absoluta da revelação cristã, a ciência histórica busca no mito, como objeto, fatos que coincidam com o conceito de “fato” por ela operacionalizado.
(fonte: GADAMER, Hans-Georg. "Mito y Razón". Barcelona: Paidós, 1999, p. 42-43)
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A MEDIDA E O SENTIDO
A radiação luminosa, em suas cores, pode ser conhecida, medida e calculada em cumprimentos de ondas. O tempo pode ser conhecido, medido em horas, meses e séculos. A força de um vento pode ser calculada pela medida de sua velocidade. Este calculo nos informa sobre o vento e nos faz conhecê-lo. O mar, mapeado, pode além disso ser calculado em sua composição química, estudado em suas movimentações, prevendo ondas. As pedras podem ser analizadas até ao ponto de sua estrutura atômica.
Ontem, eu estava na praia. O sol aquecia minha pele e me fazia fechar levemente os olhos. À luz do sol, o mar brilhava, e os montes rochosos mostravam seu dezenho no fundo azul dos céus. As águas verdes batiam no ritmo estranhamente musical das ondas, abrindo-se em espuma branca. O vento aliviava um pouco o calor e trazia o cheiro distante dos oceanos, vindos sei lá de que terras, onde roçaram os ouvidos de alguém que, talvez, como eu, também escutou. Eu não conhecia ali, naquele momento, a luz, a água, as cores, as pedras, o vento e o tempo que se manifestava. Não era capaz de medí-los e calculá-los. Eles faziam sentido.
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domingo, 7 de dezembro de 2008
Excertos pensantes: encobrimento, terra e mito
A Ilíada XXIII, 244, fala de áidi keúthomai, de ser abrigado no Hades. Aqui a própria terra e o âmbito subterrâneo entram em relação com o abrigar e encobrir. O contexto essencial entre a morte e o encobrimento aparece aqui. A morte não é, para os gregos, como tampouco o nascimento, um processo "biológico". Nascimento e morte recebem sua essência a partir do âmbito do desencobrimento e encobrimento. Também a terra tem sua essência a partir do mesmo âmbito. Ela é o "entre", isto é, entre o ocultamento do subterrâneo e a luminosidade, o descobrimento do supraterreno (da abóboda celeste, ouranós). Para os romanos, no entanto, a terra, tellus, terra, é o seco, a terra em diferença do mar; essa distinção diferencia sobre que construção, colonização e instalação são possíveis, em distinção daqueles lugares onde elas são impossíveis. Terra se torna territorium, o âmbito de colonização como âmbito de comando. Na terra romana está presente o acento imperial, do que a gaîa e gê gregas nada têm.
As palavras gregas krýptein e krýptesthai (de onde crypta e cripta) significam a ação de encobrir resguardando. Krýptein se aplica, antes de tudo, à nýx, à noite. Similarmente, dia e noite em geral manifestam os eventos do descobrimento e do encobrimento. Uma vez que, entre os gregos, tudo o que é irrompe a partir do seu fundo, surge da essência do encobrimento e do desencobrimento, eles, por isso, falam da nýx e do ouranós, da noite e da luz do dia, sempre que querem expressar o começo do todo que é. O que é dito desse modo é o que primordialmente pode ser dito. É a fala autêntica, a palavra primordial. mýthos é a palavra grega que expressa o que pode ser dito antes de tudo o mais. A essência do próprio mýthos é determinada com base na alétheia. mýthos é o que revela, descobre e deixa ser visto; especificamente, ele deixa aparecer o que se mostra a si mesmo, previamente e em todas as coisas, como o que está presente em toda "presença" [Anwesen]. Somente onde a essência [Wesen] da palavra está fundada na alétheia, portanto entre os gregos, somente onde a palavra, assim fundada, como fala preeminente sustenta toda a poesia e pensamento, portanto entre os gregos, e somente onde poesia e pensamento são o fundo da relação primordial com o encoberto, portanto entre os gregos, somente lá encontramos o que dá significado ao nome grego mýthos, o "mito".
HEIDEGGER, Martin. Parmênides. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: EdUSF, 2008. pp. 92-3.
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sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
PLATÃO E O PÁRTENON
Um dos segredos do Pártenon, que o faz parecer perfeito, é justamente que algumas de suas linhas sejam curvas, como as dos degraus de entrada e as das colunas. As curvas dão a ilusão da perfeição do edifício, visto como um todo.
O Pártenon parece ser o que é, no aspecto de sua retidão escanhoada à perfeição, mas na verdade é cheio de curvas de raios agigantados que nos iludem.
Se Platão fosse tão platônico quanto a metafísica, deveria detestar o Pártenon.
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POR QUE "SER" NÃO É UM GÊNERO EM ARISTÓTELES
(Eu desenhei este esquema para tentar facilitar a visualização. Espero é que não atrapalhe. Clique na imagem para vê-la em tamanho ampliado)
O ser não é um gênero, porque:
- O gênero é comum a muitos;
- O gênero se desmembra em espécies por diferenças acrescentadas;
- Das espécies pode-se se dizer que são necessariamente o seu gênero. Ex. A planta (espécie) é necessariamente um vivente (gênero);
- Contudo, não se pode dizer que o gênero é necessariamente uma sua espécie. Ex.: Um vivente não é necessariamente uma planta;
- Assim, a diferença específica não está contida no gênero.
- Supondo, então, que “ser” seja um gênero, que pela diferença específica “verdadeiro” se torne a espécie, “ser verdadeiro”;
- “verdadeiro” teria de estar “fora” (não estar contido) em “ser”, de modo que “verdadeiro” não seria, isto é, seria nada, o que anularia a própria espécie.
- portanto, “ser” não pode ser um gênero uma vez que apenas o nada está fora (não está contido) do âmbito de ser.
Visualização pelo conjunto:
- A (gênero) – A1, A2, A3 (espécies)
- Todo A1 é necessariamente (mas não somente) A, porém todo A não é necessariamente A1.
- Neste caso, o número (1, 2, 3) seria a diferença específica, que não está em A. Os números não podem estar contidos em A para que A seja gênero.
Supondo SER um gênero:
- S (gênero) – S1, S2, S3 (espécies)
- Todo S1 é necessariamente (mas não somente) S, porém todo S não é necessariamente S1.
- Neste caso, todo número (1, 2, 3) seria diferença específica, que não está em S. Os números não podem estar contidos em S para que S seja genro.
- Aqui está o problema, porque tudo que é está em S (SER, ou seja, está no conjunto ser). Fora de S há apenas NADA (ou seja, nada há, “não existe” em sentido corriqueiro, "não é" em sentido próprio). Não sendo, não se pode dizer que “é 1, 2 ou 3”. Portanto, não há nada fora de S, e este não pode ser um gênero, porquanto admite apenas NADA fora de si, ou seja, não pode ter diferenças específicas e por conseguinte não pode ter espécies. Assim, SER não pode ser um gênero.
É simples e até bobo, eu sei, mas tem gente que consegue explicar isso mas pensa como se não tivesse entendido.
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