As idéias, diz Platão, estão no hypèr ouránios tópos, que ele também chama de tópos noetós, o lugar da compreensão. Tà noetà, as coisas compreendidas, são as idéias. Há uma idéia suprema, a idéia do bem, que Platão chama de teleutaîa idéa, a idéia que está no e é o fim. Mas fim não é meta nem término, mais o âmbito, o confim, o horizonte que tudo abrange (ou seja, a totalidade do ser sendo). A imagem desta idéia é o sol. Platão apresenta esta “imagem-símbolo” porque não se pode simplesmente representar corriqueiramente a idéia do bem num conceito. Mas isso não significa que ela seja algo “esotérico”, “intuitivo”, algo como uma “iluminação mística”, pois o próprio filósofo diz que só se a contempla por um questionamento persistente.
Agathós, no sentido grego, não é o bem moral oposto ao mal e ao pecado, ou seja, o bem cristão. Também não é o bem genérico e indiferente, do tipo “estou bem”, quando se responde corriqueiramente. É um bem no sentido do decidido: “está bem!”. Daquilo que impõe e exige realização, aquilo que dá consistência em que algo venha a ser. Neste sentido, já que idéia é o que possibilita ser e consiste em ser, idéia é propriamente um bem. Por isso a idéia do bem é como uma idéia da idéia, ou seja, a idéia por excelência.
O governo do filósofo não é o governo dos professores e alunos de filosofia, mas o governo daquele(s) que persiste(m) na guarda e vigia (como phýlakes) deste bem do bem, idéia da idéia, no sentido de fim e princípio que impõe e exige a realização dos homens e entre os homens, na pólis.
fonte: HEIDEGGER, Martin. Ser e Verdade. Petrópolis: Vozes, 2007.
2 comentários:
Diego...
Me parece que o bem é exatamente algo inqualificável, indemonstrável e por isso mesmo incompreensível. Se levarmos a compreenão do bem ( idéia da idéia) pro lado místico, chegamos a uma figura mística que nos facilita a interpretação mas nos dificulta a aproximação daquilo que Platão quis dizer. Através da razão esse bem se torna compreensivo apenas se o identificamos através de analogia. Pois então, esse "está bem" me parece tudo aquilo que envolve, possibilita, gera, é...mas que nem por isso está envolvido...
Ótimo texto!
Há uma ligação entre o Bem e "o que deve a cada vez ser" que é muito elucidativa desta questão, na minha maneira de entender.
- O bem não é uma coisa boa. Esta discussão é explícita na República, acerca do justo. O bem não é "algo", não é, portanto, um ente.
- o sentido grego de bem não é o sentido cristão. Agathós não tem nenhuma significação moral. Agathós não se opõe ao mal e ao pecaminoso. Só há pecado onde há fé cristã.
- Por outro lado, não quer dizer que Agathós seja um bem "atenuado", um bem "menor", um bem "não plenamente desenvolvido". Também esta é uma perspectiva estritamente cristã. É "menor" em comparação ao "maior" (o bem cristão), é menos desenvolvido, porque foi desenvolvido plenamente pelo cristianismo.
- O agathós se liga à compreensão mútua de um dialogo, ao que estabelece uma coisa "tal como ela deve ser", como ainda hoje dizemos "está bem!" quando há uma compreensão, num diálogo. O agathós, o "bem grego", é o que impõe, funda e destina alguma coisa para ser tal como ela é.
- Por isso o bem é a idéia suprema, que sustenta, funda e destina tudo que é (idéias) tal como é.
"A idéia suprema é o que possibilita tanto o ser quanto o desencobrimento (alétheia). O bem, agathón, é uma palavra da língua de todo dia, que não diz senão o que possibilita, sobretudo,o que se impõe e determina. Agathón nunca diz um conteúdo ou teor, e sim diz mais um "como", modo privilegiado de ser" (H. ser e verdade, p. 211)
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